“Pro pai é fácil.”
Todo relacionamento que acaba
gera dor, é muito triste quando duas pessoas que sorriram juntos não conseguem
mais conviver, ainda mais quando uma nova vida vem se formar. Afastamo-nos
antes mesmo de saber que o jardim estava semeado, a semente cresceu num
canteiro longe de mim. Saber daquilo mexia comigo, mas não tanto quando me
entregaram pela primeira vez e vi as bochechas sujinhas de iodo a dormir
enrolada numa manta lilás.
Cada dia que passava aquelas bochechas
pareciam um pouco menores, os olhos mais atentos, os sorrisos mais frequentes,
os dedinhos mais fortes, a língua mais agitada, perninhas expressivas que se
batiam de alegria, empurravam de birra, até começarem a arrastar o corpo, que
logo começava a morder tudo. O tempo passava e pensando em fazer o melhor pra
ela comecei a cometer meus erros, alguns acertos também, é claro.
Trabalhando pelas estradas a
saudade era grande a semana inteira, e tentar voltar com a viver com a mãe para
estar perto da filha, claro que não daria certo! O segundo rompimento, talvez
mais dolorido, que nos separou por 2300 km, estados diferentes, passagens de
ida, passagens de volta gastos enormes e desemprego!
Quando tudo parecia perdido ela
voltou, sua mãe se casara novamente. Fiquei feliz, a distância era de apenas
450 km e toda quinzena estava comigo. Meu melhor sorriso, meus banhos de praia,
castelos de areia, folias com a Pepa e danças com Backyardigans, xixi na cama,
brigas com o sono e com a cadeirinha do carro, ler e interpretar os três porquinhos
de 5 a 8 vezes por noite, esconder legumes na comida.... Enfim parecia que
estava indo tudo bem, até que o tal novo padrasto e a mãe “abandonada” decidem
que a minha princesa devia considerar e chamar o dito cujo de pai também, e
ainda limitar minha presença e participação (presencial é claro, financeira
nunca foi podada). Tudo bem, para evitar conflito e não fazer a única pessoa
sem culpa da história sofrer e ver brigas entre os pais eu decidi tentar
conviver e me precaver judicialmente, além disso decidi fazê-la feliz comigo e
mostrar pra ela o que vejo da vida quando estiver em sua companhia, acredito
que o amor é indestrutível.
Até que o esperado acontece e
depois de pouco tempo a mãe e o “novo pai, perfeito e presente” desentende-se e
os 2 300km voltam....
Não sei se é bom ou ruim, o pior
é que hoje o Skype é meu melhor amigo quando dá. Eu não posso largar tudo e ir
pra lá, preciso continuar, mandar a renda pra suprir sua escolinha, plano de
saúde e tomara que consiga continuar no balé que ela adora tanto, pensar em seu
futuro financeiro e educacional também....
Hoje meu dia é saudade, olhando
fotos e seus brinquedos que ficaram. Saudade, que sentimento cruel, tão
dolorido e tão bonito que não nos deixa ter raiva, ela só causa a dor e ainda é
bem quista.
Muitas coisas ruins, como ouvir
por aí que “quando os pais se separam
para o pai é fácil, que não tem que mudar sua vida, se privar de festas, de
perder noite, de educar, não muda o corpo, não muda nada!!!!”
Sei que criar uma criança é
difícil. Quando estou com ela faço seu almoço, sua janta e seu café; eu que dou
a comida, o banho e escovo os dentes; sei que um simples banho é difícil de
entrar e as vezes mais difícil ainda de sair; sei que o sono dói; que correr
atrás de criança que anda o tempo todo cansa mais que um dia de trabalho num
curral com 400 vacas; sei que tirar a fralda vai te fazer acordar de madrugada
pra trocar lençol e se estiver dormindo junto pra aproveitar o pouco tempo te
fazer tomar banho (como dica coloque um saco de lixo e uma toalha embaixo para
não ter que lavar o colchão também); sei que tem que aproveitar o tempo que ela
dorme pra cuidar de si, sei que as vezes a gente perde a paciência e sente
vontade de dar umas palmadas ou um sonífero.
Mas sei também, e muito bem que
pior que tudo isso é não estar perto; não ver sua satisfação ao conseguir comer
sozinha; fazendo descobertas anatômicas, como que o papai tem piu piu, ela tem
pepeca e o gatinho tem rabo; difícil é não sentir o cheiro de seu cabelo; é não
brigar porque ela tirou meleca e passou em mim enquanto via desenho; difícil é
não poder ensinar e mostrar um monte de coisa o tempo todo; é ver seus olhinhos
brilhando ao ver um cavalo; difícil é ser veterinário e pensar nela todo dia ao
ver um cavalo; é esperar seu sorriso tímido ao te ver; é o medo de se tornar um
estranho para quem você mais ama, é o medo de não estar lá quando ela precisar,
quando ela chorar,,,
Trocaria todas as festas, noites,
liberdades, viagens se pudesse ser acordado todo domingo as 7:00 h da manha com
um tapinha no rosto me dizendo : “papai, pá lá bincá de pocotó.... eu sou a
rainbow dash viu!!!!”
Obs: O Pai que escreveu este texto para o Blog solicitou anonimato.